Pela esquerda ou pela direita, país não dá a mínima para a educação pública
Área foi catalogada oficialmente como a mais supérflua das ‘atividades não essenciais’
O plano de Doria saiu há 18 dias, com cinco colunas descrevendo as fases de reabertura de São Paulo e 15 linhas elencando previsões de reativação de cada atividade.
Lá no fim, na linha educação, um retângulo vazio indica a ausência de previsão de retomada de aulas presenciais. Escolas, só depois de indústrias, escritórios, shoppings, igrejas, parques, restaurantes, bares, passeatas e futebol. A história se repete, Brasil afora. A educação foi catalogada oficialmente como a mais supérflua das “atividades não essenciais”. Weintraub é a cara da elite governante nacional.
De costas para a ciência e a experiência, o Brasil revela sua alma. Pela esquerda ou peladireita, não damos a mínima para a educação pública.
A esquerda enxerga a escola pelos óculos do sindicalismo (remunerar professores), enquanto a direita a vê pelos olhos do mercado (fornecer mão de obra).
Boatos sugerem que São Paulo reativará a rede pública em agosto, mas na forma de piada macabra, com um dia de aula semanal por turma. Inexiste escândalo. Na imprensa, formadores de opinião ignoram o assunto –e quando, raramente, circulam ao seu redor, é para fingir que acreditam na lenda do ensino a distância nas escolas públicas.
A prioridade europeia de reinício das aulas não se deve à merenda e apenas parcialmente ao fardo imposto às famílias trabalhadoras de cuidar o dia todo de crianças sem aulas. Por lá, a urgência derivou do reconhecimento dos direitos dos alunos, conceito desconhecido entre nós.
Se os professores continuam recebendo e os empregadores só precisam de um contingente limitado de profissionais qualificados, quem se importa com o fechamento das escolas?
Os educadores sabem que a falta prolongada de escola prejudica, para sempre, o desenvolvimento de habilidades cognitivas essenciais.
As crianças e adolescentes sem aulas ao longo de um semestre inteiro estão sofrendo uma amputação intelectual oculta, que as acompanhará pelo resto da vida. Claro, isso com exceção dos filhos da elite, que dispõem de livros em casa, ensino a distância razoável e aulas particulares de reforço. Ah, sim: os filhos dos governantes pertencem ao grupo da exceção.
A cegueira de classe manifesta-se como epidemiologia militante. “Deus! Você arriscaria uma única vida só por causa de artigos científicos e das experiências de 22 países?”
Vidas relevantes, vidas descartáveis. Os fundamentalistas da saúde simulam não saber que, nas periferias urbanas, os mais jovens jamais praticaram o caro esporte da quarentena. Eles não aventam a hipótese de que, nas escolas, os alunos venham a receber orientações sanitárias superiores às vigentes nas ruas.
DEMETRIO MAGNOLI
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


























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