Preocupado com a infecção que o coronavírus inocula na economia, Paulo Guedes cobra do Congresso a aprovação de 19 propostas de reforma que aguardam na fila de votação.
O problema é que há uma vigésima reforma sem a qual as outras não sairão do lugar. O ministro da Economia precisa reformar Jair Bolsonaro, transformando-o numa espécie de ex-Bolsonaro.
Em entrevista concedida à Folha, Guedes passou a impressão de já ter enxergado o problema. Falta apenas ligar a encrenca à pessoa.
Num ponto da conversa, o ministro chamou de “alarmante” projeção do Banco Central indicando que, no Brasil, o coronavírus pode se alastrar em ritmo mais acelerado do que ocorreu na China e na Itália. “Podemos atingir o pico em um mês”, declarou.
Noutro trecho, Guedes soou assim: “Podemos transformar a crise em reformas. As reformas trarão as bases para gerar crescimento, emprego e renda após o surto, lá na frente.”
Horas depois, Bolsonaro foi às ruas de Brasília para participar de manifestação embalada por ataques ao Congresso. Foi criticado pelos presidentes da Câmara e do Senado por desdenhar de recomendações sanitárias do Ministério da Saúde.
Na sequência, falando à CNN Brasil, o presidente disse haver “histeria” por trás das medidas anti-coronavírus. E lançou um desafio aos dirigentes do Legislativo:
“Prezado Davi Alcolumbre, prezado Rodrigo Maia, querem sair às ruas? Saiam às ruas. E vejam como vocês são recebidos”.
Quer dizer: além de envergonhar o ministro Henrique Mandetta (Saúde) e de sapatear sobre avaliações científicas, o capitão chamou para a briga personagens com os quais deveria dialogar.
Guedes contou ter sido enviado por Bolsonaro ao Congresso, na terça-feira da semana passada, para apagar o incêndio que levou os parlamentares a detonarem uma pauta-bomba de R$ 20 bilhões —uma reação à trava que o presidente impôs ao acordo que disciplinaria a aplicação de R$ 30 bilhões do orçamento impositivo.
O ministro reconheceu a existência do acordo que Bolsonaro diz não ter celebrado. Foi costurado no final do ano passado. Previa a devolução de parte dos R$ 30 bilhões para o Executivo.
Nas palavras de Guedes, o acerto resultou num mal-entendido que o “transformou, perante a opinião pública, num acordo político espúrio.” Nesse ponto, o ministro constrói uma realidade paralela para evitar críticas ao chefe.
A opinião pública está cuidando do seu café com leite. Não tem tempo nem saco para acompanhar as mumunhas orçamentárias de Brasília. Quem se incomodou com a negociação foi a bolha bolsonarista que habita as redes sociais.
Cutucado por seus súditos, o capitão desautorizou o acordo que avalizara. Fez mais: atiçou as ruas contra o Congresso. Fez pior: participou da manifestação de conteúdo golpista.
Num ambiente assim, a chance de Guedes obter a aprovação de reformas no Congresso é próxima de zero. Antes, o ministro precisaria reformar a alma belicosa que levou Bolsonaro a transformar o Planalto numa trincheira.